O Bosque Sensorial de Maringá
Uma história de ação, doação e amor verdadeiro
Existem pessoas que apresentam uma personalidade irrequieta e
que não se conformam com o que lhes é apresentado pela sociedade dos humanos.
Elas sabem que, talvez, não consigam mudar o mundo, mas sentem
que, pelo menos, podem fazer a diferença no lugar onde vivem. Elas pertencem a
esta classe especial de seres que não esperam que o governo faça tudo, ou que a
humanidade evolua, ou que as pessoas mudem.
Sabem, na verdade, que se elas não fizerem, ninguém fará!
Então elas simplesmente se levantam – mesmo que estejam em
uma cadeira de rodas – e começam a se doar. Simplesmente começam – e este
movimento faz toda a diferença! No fundo, elas tem a esperança de que uma ação,
mesmo pequena, possa inspirar as pessoas e alterar o futuro.
O ato de fazer, de iniciar algo bom sem pedir nada em
troca, se torna um ponto de luz que principia a brilhar, e este brilho atrai
aqueles que, em seu entorno, sentem algo semelhante e que, mesmo não tendo o
instinto do inovador, podem e querem colaborar com algo tão bonito nem que seja
com a força de seus braços.
Ana M. Domingues – a grande ambientalista de Maringá e
presidente da ONG FUNVERDE – era assim, mas, infelizmente, nos deixou órfãos este
ano.
Ana era uma mulher forte e que todos respeitavam, seja pela pela
força de suas realizações, pela sua liderança com ampla participação social e pela
autoridade de quem se doa de corpo e alma a projetos voltados ao bem comum; era
também a que muitos temiam por seu temperamento explosivo e sua língua ferina e
sem travas.
É digno de nota que ela fazia questão de não depender do
Poder Público e seus agentes ávidos por notoriedade e boquinhas e, assim, livre
de rabos presos, poder lutar livremente (e bravamente) contra quaisquer
desmandos, corrupção e projetos esdrúxulos que atentassem contra a natureza e/ou
os cofres públicos, ao mesmo tempo que dava total apoio àqueles que apresentavam
projetos preservacionistas ou se colocavam contra interesses políticos e
econômicos destrutivos, fomentados por interesses escusos ou devaneios de
grandeza de algum gestor ou governante.
Ana – contando sempre com o apoio irrestrito de seu esposo,
companheiro de vida e melhor amigo Cláudio, além da colaboração de muitos apoiadores
e voluntários – fizeram e fazem muito pela área do meio ambiente em Maringá:
reflorestamento de fundos de vale, ações de conscientização como o uso
consciente do plástico, participação relevante na elaboração do PGAU – o belíssimo
plano de arborização de Maringá –, entre tantas outras ações de relevância.
E também, aos poucos, através da ação destes inconformados,
uma metamorfose toma lugar na Cidade Canção; uma história singular está sendo
construída diante dos olhos transeuntes que caminham quase inconscientes frente
a mudanças que ocorrem no ritmo próprio da natureza.
É o que acontece, neste momento, no popular "Bosque das
Grevíleas" de Maringá. O “deserto verde” de uma espécie só – exótica, que
não fornece nem frutos nem mel – cada vez mais se transforma no maior pomar
urbano aberto do Brasil. Onde cai uma grevílea, planta-se uma frutífera ou
outro tipo de árvore escolhida a dedo, fazendo nascer, aos poucos, um
"Bosque Sensorial". Ali – onde a visão transpassa de um lado ao outro
através das árvores perfiladas e chão limpo – vicejam agora folhas, flores e
frutos com várias cores, texturas e formas e recendem essências diversas,
permitindo uma experiência sensorial completa e única.
Cada vez mais, a inédita fartura de alimento e abrigo
permite que a vida ressurja na forma de uma algazarra de pássaros, insetos,
macaquinhos e outros animais, colocando à disposição de todo morador desta
cidade que não para de crescer em cinza-concreto, um refúgio, um templo natural,
um pedaço do paraíso especialmente indicado para fuga da vida corrida e imersão
na natureza com uma vista singular e muita segurança.
Bosque Sensorial e a lenta substituição de grevíleas condenadas por outras espécies. |
Este Bosque é o sonho materializado de Dona Ana, Junto de
seu companheiro Cláudio e dos que acreditaram e ressonaram com ela e sua ideia,
doando seu entusiasmo e sua força de trabalho, sem outro interesse a não ser construir
algo legal, deixar um legado para a atual e futuras gerações e fazer a
diferença nem que seja um pouquinho.
Infelizmente, Ana nos deixou em julho deste ano, aos 55
anos. Por conta de seu passamento, o jornalista Dirceu Herrero postou, em sua
página pessoal:
"Até um dia, Ana! O mundo está menos verde. Menos original. Menos
coração. Ana Domingues, a Ana da Funverde, foi defender a natureza em um lugar
incerto. O certo é que, lá onde quer que seja que ela estiver, se houver alguém
maltratando o ambiente, esse alguém vai se ver com a Ana. Furiosa, ela não
perdoa. Dispara argumentos, como fez centenas de vezes defendendo o seu, o meu,
o nosso Planeta. ... Ela fez muito e nos deixou um planeta menos pior."
(Texto na íntegra AQUI)
Quem a conheceu sabe que estas belas palavras representam a mais
pura e cristalina verdade!
Todos que acompanham esta história de perto sabem também: seu
parceiro de vida e de trabalhos desinteressados em prol da natureza, Cláudio, sempre
amou e admirou Ana intensamente. Um homem comum e que possivelmente, como
confessou, estaria vivendo seus dias sem preocupações maiores do que aquelas que
a vida já dá, se associou a este projeto através e por sua amada. Quando ela se
foi, tudo poderia ser deixado como está e – possivelmente, sem Ana – regredir.
Seria compreensível.
Mas não! Todos viram e estão vendo o quanto ele sofre pela
perda irreparável – institucional e pessoal – mas que também não esmoreceu nem
por um minuto sequer! Ana vive em Cláudio principalmente através da
continuidade de seus preciosos sonhos – que agora, diante de sua ausência física,
mais ainda, são dele e nossos também.
Ana M. Domingues e Cláudio J. Jorge. |
Ana partiu, mas seu projeto, o “Bosque Sensorial” – mesmo já
tendo um corpo completo –, não teve um fim porque estará em construção pelo
futuro inteiro, no ritmo da natureza e com a força e o olhar cuidadoso de todos
que abraçaram, junto ao casal e sua ONG, este projeto. Este sítio – onde a
natureza pôde encontrar bela morada – evoluirá junto com nossa cidade se
consolidando, cada vez mais, como uma joia preciosa de Maringá e o legado de um
ser especial – agora capitaneado por seu grande parceiro de vida. Força
Cláudio!
Enquanto isso, mais árvores são plantadas, crescem,
florescem e dão frutos, pássaros gorjeiam e pessoas se encantam no Bosque Sensorial Ana Domingues.
Valdecir_Mgá
Dezembro de 2019
Mais alguns cliques do Bosque e de seus transformadores:
(Milhares de fotos em: https://www.flickr.com/photos/funverde )
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